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Em discurso na ONU, Lula critica desigualdade social.

Em discurso na abertura da 78ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que iniciou às 10h (horário de Brasília) desta terça-feira (19), em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu sua fala criticando as desigualdades do atual sistema de governança global e destacando que as oportunidades que cada criança terá são traçadas "ainda no ventre da mãe". Segundo ele, a governança mundial trata injustiças como "fenômenos naturais" da humanidade.

— Hoje o mundo está cada vez mais desigual.

Lula afirmou que países em desenvolvimento, como o Brasil, não querem repetir o modelo de países desenvolvidos que cresceram, segundo ele, a partir de um modelo baseado na emissão de altas taxas de gases poluentes. Lula disse que a emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implantação de normas que já foram acordadas.

— O destino de cada criança que nasce neste planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe. Se irá fazer todas as refeições ou se terá negado o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar diariamente. É preciso, antes de tudo, vencer a resignação, que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural. Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo— concluiu o presidente.

Na fala, o brasileiro trouxe dados que mostram que os 10 maiores bilionários do mundo possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade.


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Países ricos cresceram com modelo baseado em altas taxas de emissão de gases (...) 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo carbono lançado na atmosfera. Nós, países em desenvolvimento, não queremos repetir esse modelo— disse o presidente do Brasil, ao reforçar que provará, mais uma vez, que o modelo justo e ambientalmente sustentável é possível de ser implementado.

Lula lembrou que, há 20 anos, ocupou a tribuna pela primeira vez e, nesta terça, retornou com "inabalável confiança na humanidade".

Mudanças climáticas

Em 2003, conforme comentou, o mundo ainda não havia se dado conta da gravidade da crise climática.

— Hoje, a crise climática bate em nossas portas, destrói nossas casas, nossas cidades e países, mata e impõe perdas e sofrimento aos nosso irmãos, sobretudo, aos mais pobres — declarou.

Ele ainda falou de políticas de combate à fome, defendeu o desenvolvimento sustentável e ressaltou a importância das nações olharem para a questão climática. Lula expressou ainda condolências pelos afetados pelas enchentes tanto na Líbia, onde foram contabilizadas 11 mil mortes, quanto no Rio Grande do Sul onde 48 pessoas perderam a vida.

Combate à fome

O presidente citou ainda o combate à fome, tema cujo o líder brasileiro abordou em seu primeiro discurso na Assembleia Geral da ONU, em 2003.

— A fome, tema central da minha fala nesse parlamento mundial 20 anos atrás, atinge hoje 705 milhões de seres humanos. O mundo está cada vez mais desigual. O destino de cada criança que nasce nesse planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe. A classe social de sua família irá determinar se essa criança terá ou não oportunidade ao longo da vida — completou.

Energia e Amazônia

Lula afirmou que o Brasil está na vanguarda da transição energética, com uma das matrizes mais limpas do mundo. Ele citou que 87% da energia elétrica do país provém de fontes de energias renováveis.

O presidente do Brasil disse ainda que, desde o início do governo, o Brasil retomou uma agenda robusta de fiscalização e combate a crimes ambientais na Amazônia.

— Ao longo de oito meses, o desmatamento na Amazônia já foi reduzido em 48%. O mundo inteiro sempre falou da Amazônia, agora é a Amazônia que está falando por si mesma— afirmou Lula.

Lula citou a preservação da bacia amazônica, destacando que, para que seja cumprido o estabelecido no Acordo de Paris, tratado internacional sobre mudanças climáticas adotado em 2015, é necessária a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos.

— O mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora, é a Amazônia que está falando por si mesma. Queremos chegar na COP 28, em Dubai, com uma visão conjunta que reflita as prioridades da preservação da bacia amazônica. Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade.

Lula fez uma defesa da democracia e destacou o retorno do Brasil ao cenário político internacional.

— O Brasil está de volta para dar sua contribuição ao enfrentamento dos principais problemas globais — declarou, logo antes de ser interrompido pelas palmas.

"Não mediremos esforços no G20 para colocar desigualdade no centro da agenda"

Lula prometeu colocar o combate à desigualdade no centro dos debates do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, que terá as reuniões do ano que vem presididas pelo Brasil.

— Ao assumir a presidência do G20 em dezembro próximo, não mediremos esforços para colocar no centro da agenda internacional o combate às desigualdades em todas as suas dimensões.

Aos chefes de Estado reunidos na sede da ONU em Nova York, ele ressaltou que a presidência brasileira vai articular inclusão social e combate à fome, assim como desenvolvimento sustentável e o debate sobre a reforma das instituições de governança global.

Conselho de segurança

Como esperado, o presidente usou o púlpito da ONU para defender a reforma do conselho de segurança das Nações Unidas, que, sustentou, vem perdendo "progressivamente" a credibilidade.

— Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia.

Pregando o resgate das tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU, Lula repudiou a utilização de imigrantes como bodes expiatórios, criticando uma agenda que, pontuou, corrói o bem-estar e investe contra os direitos dos trabalhadores.

Políticas ativas de inclusão nos planos cultural, educacional e digital devem ser, segundo declarou o presidente, essenciais à promoção dos valores democráticos e da defesa do Estado de Direito.

Pedido pela paz

O líder brasileiro pediu o fim dos conflitos armados no mundo, citando exemplos como a invasão da Ucrânia e confrontos em país como Mali, Níger e Burkina Faso.

— Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana. Conhecemos os horrores e o sofrimento produzidos por todas as guerras. A promoção de uma cultura de paz é um dever de todos nós. É perturbador que surjam ou ganhem vigor novas ameaças.

Crítica ao neoliberalismo

Segundo ele, o neoliberalismo foi fator agravante da desigualdade econômica e política que atinge as democracias atualmente. O resultado do movimento, de acordo com o brasileiro, foi o surgimento de "aventureiros de extrema-direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas".

— Os governos precisam romper com a dissonância cada vez maior entre a voz dos mercados e a 'voz das ruas. O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos — acrescentou.

Ao apontar uma "grave crise do multilateralismo", Lula afirmou que as bases de uma nova governança econômica global não foram lançadas. Nesse momento, lembrou que o Brics, grupo das economias emergentes, surgiu do imobilismo de organizações multilaterais, e defendeu sua expansão recente, com a inclusão de Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes. "A ampliação recente do grupo na Cúpula de Joanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21."

Extrema direita

Na fala, Lula fez uma crítica à ascensão da extrema direita e destacou que "muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário".


— . Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário. Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores. Precisamos resgatar as melhores tradições humanistas que inspiraram a criação da ONU.

Essa é a oitava vez em que o líder brasileiro faz o pronunciamento nas Nações Unidas. Em seus dois primeiros mandatos, ele deixou de comparecer apenas em 2010.

FMI e Banco Mundial

Lula. aplaudido mais de uma vez durante o pronunciamento, afirmou que a representação desigual e distorcida na direção do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial é inaceitável. O chefe do Executivo do Brasil disse que, quando instituições reproduzem desigualdades, elas fazem parte do problema e não da solução.

— No ano passado, o FMI disponibilizou US$ 160 bilhões em direitos especiais de saque para países europeus, e apenas US$ 34 bilhões para países africanos. A representação desigual e distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é inaceitável. Não corrigimos os excessos da desregulação dos mercados e da apologia do Estado mínimo. As bases de uma nova governança econômica não foram lançadas.

No cenário mundial, Lula avaliou que o protecionismo dos países ganhou força, enquanto a Organização Mundial do Comércio (OMC) permanece paralisada, em especial o seu "sistema de solução de controvérsias".

O presidente afirmou ainda que o Brics surgiu justamente na esteira desse "imobilismo" e se transformou em uma plataforma estratégica para promover a cooperação entre as nações.

— Somos uma força que trabalha em prol de um comércio global mais justo num contexto de grave crise do multilateralismo", avaliou Lula.

Liberdade de imprensa

Depois de considerar que a liberdade de imprensa é "fundamental", Lula afirmou que o jornalista australiano Julian Assange, responsável por publicar dados sigilosos sobre atividades militares dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, não pode ser punido por informar a sociedade de "maneira transparente e legítima".

—Nossa luta é contra a desinformação e os crimes cibernéticos.

Encontros

Lula chegou a Nova York na noite de sábado (16). Na manhã de segunda-feira (18), teve encontros com o ex-primeiro-ministro do Reino Unido Gordon Brown e com o presidente da Confederação Suíça, Alain Berset. No domingo (17), participou de reunião com empresários e de jantar oferecido pelo presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes, em homenagem ao presidente.

Nesta quarta-feira (20), Lula se reúne com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky. A reunião vai ocorrer por volta das 16h (horário de Brasília) no hotel onde o líder brasileiro está hospedado. Este será o primeiro encontro entre os dois mandatários, que estiveram presentes na cúpula do G-7, em Hiroshima, no Japão, durante o mês de maio, mas não conseguiram se encontrar por conta de incompatibilidade de agendas, deixando um clima negativo entre os dois países com direito a versões distintas sobre por que a reunião entre os dois não havia ocorrido.

Antes de retornar ao Brasil, o que está previsto para quinta­-feira (21), Lula deve conceder uma coletiva de imprensa.

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