Hospital de Clínicas de Porto Alegre alcança a marca de 10 mil transplantes de órgãos.
- Orlando Gomes Junior
- 7 de out. de 2023
- 4 min de leitura
Foi com uma sensação de fraqueza acima do normal que Lauri Galle, 67 anos, morador de Três Coroas, no Vale do Paranhana, começou, há um ano e meio, a notar algo diferente em seu corpo. O contador desenvolveu problemas renais crônicos que resultaram em sessões de hemodiálise e o alerta para a necessidade de um rim novo. O transplante a que foi submetido, no início do mês, foi o de número 10 mil no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Lauri vivenciou seu grande dia na última segunda-feira (2). Depois de cerca de duas horas de procedimento, um rim aproveitado por meio da doação de órgãos foi para o lado esquerdo do seu corpo. A cirurgia transcorreu normalmente e, em menos de cinco dias, o paciente, que é casado com Irene Galle, 67, já está na sala de recuperação. No oitavo andar do hospital, espaço dedicado aos transplantados, ele relembra os passos que permitiram chegar ao Clínicas.

Há um ano e cinco meses, comecei a ficar ruim. Após consultas e exames, vi que precisava fazer três sessões semanais de hemodiálise. Foram cinco meses na lista de espera até fazer o transplante — conta, ainda com pouca força na voz.
O casal se junta ao coro das pessoas que apoiam e estimulam a doação de órgãos, possibilitando que outros tenham a chance de sobrevida que o contador teve.
— Que tenham muitas campanhas sobre isso. É muito angustiante para as famílias de quem precisa de transplante. Esperamos que outras pessoas se engajem para termos mais doadores — diz a incansável esposa de Lauri, com quem ele divide as vivências há 42 anos.
Diabético e hipertenso, o contador relevou que as rotinas no trabalho pareciam ainda mais estressantes nos últimos meses. A partir de agora, desacelerar será fundamental para a mudança de vida do futuro avô, que já tem três filhos crescidos.
Quero voltar a pescar na Argentina, que eu gosto muito – conta o sorridente paciente 10 mil, que ainda não tem previsão de voltar para casa.
Decisão da família
O Hospital de Clínicas realiza procedimentos com órgãos sólidos (coração, pulmão, rim e fígado), medula óssea e de córnea desde 1977. Naquele ano, um estudante de Medicina da UFRGS acompanhou, mesmo sem participar, o primeiro transplante no hospital que, coincidentemente, também era de rim. Outra obra do destino é que a marca dos 10 mil tem aquele aluno novamente, desta vez como o atual chefe do Serviço de Transplantes do Clínicas. Não bastasse isso, Roberto Manfro é o nefrologista que acompanha Lauri.
— Descobrimos este número fortuitamente. Estávamos fazendo um levantamento por outra razão e vimos que eram 9.988 transplantes realizados até uma semana atrás. Tem muito trabalho, dedicação e investimento por trás disso. É um número que nos deixa satisfeitos — conta o médico.
Os primeiros dez anos de transplantes na instituição envolveram procedimentos renais. Aos poucos, a estrutura possibilitou contemplar outros órgãos, com desenvolvimento das tecnologias contribiundo para um número cada vez menor de rejeição a órgãos transplantados (índice não ultrapassa 3%). Antes deste processo, no entanto, vem a doação como lembra Manfro.
— A mortalidade média me um ano de pessoas que aguardam por um rim é de até 6%, um índice considerável. Fígado, entre 30% e 40%, o mesmo para coração e pulmão. Por isso, precisamos de mais órgãos que possam propiciar bons transplantes — alerta.
Segundo dados mais recentes da Central Estadual de Transplantes do Rio Grande do Sul, há 2.711 receptores ativos na lista de espera. Para atender esta demanda, além de hospitais equipados e equipes treinadas, é fundamental aumentar o número de doadores. Um dos desafios é estimular a decisão das famílias em um momento difícil: em cerca de 50% dos casos, a resposta é não. Por isso, falar em casa sobre a vontade de ser doador é determinante.
— A legislação brasileira pressupõe o chamado “consentimento informado”. Há, recentemente, uma iniciativa em cartórios em que as pessoas podem registrar o desejo de serem doadoras. Isso é muito bom, mas a palavra final é da família. Não existe um cadastro de pessoas. Toda pessoa que morre por morte encefálica no Brasil, por lei, deve ser avaliada com vistas à doação — explica Manfro.
DNA do hospital
A diretora-presidente da instituição, Nadine Clausell, salienta que a marca é importante, ainda mais se tratando de um hospital público universitário.
Os primeiros transplantes começaram com o funcionamento do hospital, na década de 1970, porque sempre se entendeu que estes procedimentos estão na ponta da alta complexidade na área assistencial e qualificam a própria instituição. Está no DNA do Clínicas e dá uma satisfação de olhar para esta trajetória e ver o tanto de pacientes e familiares beneficiados — explica a médica.
Nadine acrescenta que os profissionais que trabalham nesta área passam por um treinamento complexo, o que favorece o desenvolvimento das carreiras, mesmo depois de saírem do hospital.
— Para cada tipo de órgão, há entre 200 e 300 pessoas, divididas em equipes de cirurgiões, médicos clínicos especializados, enfermeiros e técnicos, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos, além do setor administrativo e do pessoal que faz as buscas dos órgãos — relata.
Ela destaca o trabalho dos profissionais de saúde que se dedicam ao período de pós-operatório nos ambulatórios.
– Depois de receberem alta, os pacientes continuam voltando ao hospital para que o cuidado continue. É para isso que fazemos os transplantes: para as pessoas se recuperarem, voltarem a ter qualidade de vida e sobrevida.
Uma nova cultura
Mais da metade de transplantes no Hospital de Clínicas ocorreram de 2012 para cá. Trata-se de um indicativo de que os 20 mil procedimentos deverão chegar em bem menos tempo do que os 10 mil primeiros. Para Nadine, a previsibilidade deste número dependerá do engajamento da sociedade em relação às doações de órgãos.
— Todo transplante começa por um ato de doação, um tipo de solidariedade que envolve uma cultura. O Brasil precisa e tem espaço para uma entrega uma maior neste campo e que as doações efetivamente se transformem em transplantes. Espero que possamos enxergar a transplantação no país com um grau de certeza e estabilidade até maior do que temos hoje em dia.








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