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É isso mesmo? o que disse Lula em entrevista à uma rádio do RS.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi entrevistado no programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na manhã desta sexta-feira (29). Questionado pelos jornalistas Leandro Staudt, Giane Guerra, Matheus Schuch e Rodrigo Lopes, o presidente falou sobre a visita que fará ao Rio Grande do Sul na sexta-feira (30), as ações dos seus governos passados e relações com a Venezuela, além de tecer críticas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

GZH checou algumas das falas do presidente na entrevista.

“No nosso governo, sabe, no governo passado, a gente financiava máquinas agrícolas a 2% ao ano. (...) Hoje tem gente financiando a 14, a 16 a 18.”

Não é bem assim. Conforme dados do Ministério da Agricultura e de versões anteriores do Plano Safra, obtidos pelo site Poder360, a taxa mínima de juro nominal nos dois primeiros mandatos de Lula esteve acima dos 5% em sete dos oito anos daquele período — o índice mais baixo foi de 3%, entre os anos de 2009 e 2010. Se considerada a taxa de juro real, quando descontada a inflação, em dois anos a taxa ficou em percentuais próximos aos mencionados por Lula: entre 2004 e 2005 (juro real máximo de 2,3%) e entre 2007 e 2008 (2,3%). Neste caso, a declaração é considerada como verdadeira porque está dentro da margem variação de 10% para mais ou para menos conforme a regras de checagem de GZH (leia os critérios no final deste texto).

Atualmente, o juro do programa Moderfrota, para o financiamento de máquinas agrícolas, está em 12,5% ao ano na taxa prefixada, segundo o BNDES. Por isso, o presidente se equivocou ao mencionar patamares de 14%, 16% e 18%. A diferença entre os valores reais e os citados pelo presidente, neste caso, ultrapassa a variação de 30% utilizada por GZH para considerar uma informação como improcedente.

"Quando nós tomamos posse em janeiro de 2023, a gente descobriu no Brasil, durante o processo de transição, que nós tínhamos 14 mil obras paradas."

Não é bem assim. O presidente se refere a um dado apurado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2018 após uma varredura em contratos assinados em todo o país, incluído no ano seguinte em um livro chamado Obras Paradas: Entrave para o Desenvolvimento do Brasil, do deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG), então relator da Comissão Externa de Obras Inacabadas da Câmara. Esse número foi novamente divulgado como uma estimativa pelo então vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, no final do ano passado, durante os trabalhos da equipe de transição para o atual governo.

O Painel de Obras Paralisadas do próprio TCU, porém, que passou a fazer apanhados periódicos sobre o cenário nacional com base em diferentes bancos de dados, aponta que havia 8.674 obras por retomar em agosto de 2022 — atualização mais próxima do início do atual governo federal. Uma nova parcial, divulgada em abril deste ano, aponta 8.603 obras paradas.

Existem dúvidas sobre se a contabilidade oficial é fidedigna. Os números mais recentes podem indicar que a quantidade de iniciativas sem conclusão realmente diminuiu desde 2018, mas também podem ser reflexo da defasagem nos dados oficiais, segundo apuram auditores do TCU. Essa defasagem pode ter provocado um "sumiço" de informações referentes a 11 mil contratos públicos dos bancos de dados oficiais.

O texto de um acórdão divulgado em 2021 diz que "nessa lacuna de empreendimentos que podem ter 'desaparecido' dos sistemas pode haver obras paralisadas que se tornarão inacabadas de fato”. Dessa forma, a cifra mencionada pelo presidente Lula realmente foi utilizada como referência pela equipe de transição governamental e pode ser uma estimativa correta diante de possíveis falhas posteriores dos bancos de dados oficiais, embora não seja confirmada pelos relatórios mais recentes do TCU.

Pelo fato de ainda não ser possível determinar qual fonte de dados é a mais correta para este caso, GZH optou por não utilizar os parâmetros de variação percentual previstos nas regras de checagem para considerar uma declaração como verdadeira ou improcedente.

"Você, além do lucro, você tem o retorno do pagamento do dinheiro que o Brasil colocou fora (nos empréstimos do BNDES). Do equivalente a 10 bilhões, o Brasil já recebeu 12 bilhões. Esses dias eu li uma grande matéria no jornal Valor, mostrando que o Brasil já recebeu 12 bilhões, 2 bilhões de lucro."

É verdade. Entre 1998 e 2017, o BNDES desembolsou US$ 10,5 bilhões para a realização de empreendimentos em 15 países. Até setembro de 2022, o BNDES recebeu US$ 12,8 bilhões em retornos de pagamentos do valor principal dessas dívidas e juros. Ou seja, no recorte atual, o banco teve mais ingresso do que desembolso. A razão entre as duas cifras fica em US$ 2,3 bilhões, um pouco mais do que o número citado por Lula.

Do total liberado, 89% ficou concentrado em seis nações: Angola (US$ 3,2 bilhões), Argentina (US$ 2 bilhões), Venezuela (US$ 1,5 bilhão), República Dominicana (US$ 1,2 bilhão), Equador (US$ 0,7 bilhão) e Cuba (US$ 0,65 bilhão). As informações são do próprio BNDES, que ainda confirma a inadimplência de Venezuela (US$ 722 milhões), Moçambique (US$ 122 milhões) e Cuba (US$ 250 milhões).

"Quando era o presidente que indicava, o presidente tirava ou colocava. Eu lembro que o Fernando Henrique Cardoso tirou dois ou três presidentes do Banco Central. Outros presidentes tiravam."

É verdade. Entre janeiro de 1995 e o início de 2003, período em que acumulou dois mandatos, Fernando Henrique Cardoso teve quatro presidentes diferentes do Banco Central (BC). Algumas listas ainda consideram um quinto nome, o de Chico Lopes, que ocupou o posto interinamente por menos de um mês no começo de 1999. Há dois pontos importantes para contextualizar esse tema: apenas a partir de 2021 a aprovação da autonomia do Banco Central passou a prever mandatos de quatro anos para os presidentes da entidade e criou condições especiais para sua substituição (que pode ocorrer a pedido ou mediante autorização de maioria do Senado por "desempenho insuficiente" ou ato ilícito, por exemplo).

Além disso, embora de fato tenha havido pelo menos três trocas de presidentes ao longo dos mandatos do tucano, nem sempre a saída do cargo máximo do Banco Central pode ser atribuída abertamente a uma decisão individual de FHC. Pérsio Arida deixou o posto em junho de 1995, menos de um ano depois de assumi-lo, alegando "motivos estritamente pessoais" - embora viesse sofrendo críticas de empresários e parlamentares pela manutenção do patamar de juros e tenha provocado tumulto no mercado financeiro ao promover alterações na política cambial.

Já no caso do sucessor, Gustavo Loyola (que comandou o banco até agosto de 1997), sua saída foi de fato decidida pelo governo após uma crise política deflagrada pelo apoio de Loyola à concessão de reajustes a servidores do BC que chegaram até a 77%. Gustavo Franco também foi forçado a deixar a presidência por conta de uma grave crise financeira e cambial que afetava o país. Armínio Fraga, que ocupou o lugar, terminou o mandato quando Lula chegou ao poder pela primeira vez.

"A Venezuela, ela tem mais eleições do que o Brasil."

Não procede. Desde 1998, quando Hugo Chávez foi eleito pela primeira vez, a Venezuela realizou seis eleições presidenciais. No mesmo período, o Brasil realizou sete eleições presidenciais, uma a mais do que a Venezuela: 1998, 2002, 2006, 2010, 2014, 2018 e 2022.

GZH utilizou como critério de comparação o início do mandato do então líder do mesmo grupo político que está no poder até hoje, e cuja permanência é tema de discussão.

No país sul-americano, o mandato do chefe de Estado é de seis anos — no Brasil, são quatro. Entre 1998 e 2000, foram realizadas duas eleições presidenciais porque Chávez mudou a Constituição. Depois, houve pleitos em 2006, 2012, 2013 e 2018. A eleição de 2013 foi convocada após a morte do presidente. Nicolás Maduro, que era o vice e interino, foi eleito nessa disputa. A próxima eleição presidencial na Venezuela será no ano que vem.

Apesar de realizar votações com regularidade, apenas eleição não é garantia de vigência de democracia. A lisura dos pleitos venezuelanos é questionada por organismos internacionais, que não reconhecem os resultados devido a denúncias de irregularidades. Também não há independência entre poderes nem liberdade de imprensa e de expressão, valores dos regimes democráticos.

“Nos quatro anos passados (governo Bolsonaro), se investiram R$ 21 bilhões (em infraestrutura)”

Não procede. Dados informados pelo Ministério dos Transportes, nesta quinta-feira (29), apontam que foram investidos R$ 38,2 bilhões em infraestrutura entre 2019 e 2022, em valores corrigidos pelo IPCA. O discriminado anual de desembolsos indica aportes de R$ 10,4 bilhões (2019), R$ 11,2 bilhões (2020), R$ 8,9 bilhões (2021) e R$ 7,7 bilhões (2022).

Números semelhantes constam em levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). Eles indicam que o antigo Ministério da Infraestrutura executou R$ 34,3 bilhões entre 2019 e 2022. Ano a ano, os investimentos da pasta foram os seguintes: R$ 9,8 bilhões (2019), R$ 9,4 bilhões (2020), R$ 7,8 bilhões (2021) e R$ 7,3 bilhões (2022). O montante envolve os gastos com transportes (rodovias, ferrovias e hidrovias), portos e aeroportos. As cifras estão atualizadas com base no IPCA e incluem a execução de recursos autorizados para aqueles quatro anos e também os restos a pagar quitados no período. Não estão computados, no levantamento da CNI, os gastos de companhias, docas e estatais. Os números se restringem à execução do orçamento federal.

Tanto os dados do Ministério dos Transportes quanto os da CNI ficam acima dos mencionados pelo presidente Lula. As variações são superiores a 30%, indicando a classificação de "não procede".

Regras de checagem

1) São checadas as informações que têm verificação possível em fontes oficiais. Não são levadas em conta declarações de cunho opinativo.

2) Os temas escolhidos levam em conta a relevância.

3) Em caso de números arredondados, os critérios utilizados pela equipe são:


  • se a variação for de até 10%, para mais ou para menos, a informação é classificada como "É Verdade";

  • se a variação for acima de 10% e até 30%, para mais ou para menos, a informação é classificada como "Não é bem assim";

  • se a variação superar 30%, para mais ou para menos, a informação é classificada como "Não procede".

Reportagem: Carlos Rollsing, Marcelo Gonzatto e Rodrigo Lopes.



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